- Santa Barbara, Califórnia, 2003.
Era dia de São Valentim. Fim
do péssimo dia, para ser honesta. Por quê? Ora! Porque simplesmente ninguém
havia lembrado de mim.
Eu costumava a receber
cartinhas anônimas de alguém especial todo ano. Mas esse ano, meu
correspondente secreto não lembrou.
“Boa tarde Aninha!” Dizia uma
mensagem do Davi. Confesso que perdi o ar dos meus pulmões quando vi que havia
uma mensagem não lida dele. Sim, achei que era algo a mais, que ele era meu
anônimo... mas eram apenas falsas esperanças.
“Boa tarde Dayves kkk” Respondi
usando o apelido que ele menos gostava.
“Dayves? Acabou com a minha
alegria” Mandou imediatamente.
“Alguma coisa esta
acontecendo U.U”
“Ó kkk acontecendo? Onde?”
“Como você é bobo kk. Nunca
me responde rápido :p”
“Ah! Por isso? Tem sim U.U
Algo chamado tédio”
“Aff me ame menos flw? Kk”
“Hm... não kk Partiu role?”
Aquela chama de esperança
surgiu de novo. Senti meu coração bater rápido.
“Pra onde? To cansada demais
hoje”
“Por favor, Ana :( A comida é
por minha conta :D”
“Então tá kk, mas hoje eu
realmente estou com muita fome kkk. Leve dinheiro. Tipo uns 50 kk”
“Ok :) Passo ai daqui a 1
hora”
Não sei o que aconteceu nesse
tempo. Acho que estava tão chocada e feliz que apaguei, pois quando percebi, só
faltavam 5 minutos até a chegada dele.
Coloquei apenas um vestido
florido e soltei meu cabelo. Não tive muito tempo para me arrumar.
- Vai onde mocinha? – Indagou
minha mãe enquanto descia a escada.
- O Davi me chamou para passear
mamis - dei-lhe um sorriso – com certeza vai me mostrar outra manobra de skate.
- Hum... sei – me lançou um
olhar desconfiado – Juízo hein?
- Mãe é o Davi – Comecei a
rir.
- Justamente! Sei quem é ele.
É melhor ir agora para poder voltar cedo.
Nenhuma palavra foi dita. Apressei-me
até a porta, e para minha surpresa lá estava ele.
Cabelos grandes implorando
para serem cortados, camisa mal passada, bermuda de lycra e dois skates; um no pé
e o outro sendo oferecido a mim (mas devo admitir que era assim que gostava
dele).
Hesitei com a oferta do
skate, e dei um passo para trás.
- Ah! Para com isso Aninha! –
Disse ele simpático – Sabemos que você anda melhor do que eu.
- Querido, eu faço tudo
melhor do que você – disse enquanto pegava o skate.
- Ora! Que atrevida, hein Ana
Clara? – e começou a rir. Confesso que meu mundo parou. Queria ficar ali a vida
toda ouvindo o barulho da risada dele. – Mas – disse, com ênfase, como se percebesse
que eu precisava ser acordada. – Como eu sei o caminho, você vai ter seguir a
mim – completou triunfante.
- Certo, certo. Vamos logo! Caramba,
eu to com fome!
Ele explodiu em uma gargalhada,
e eu me derreti completamente.
Andamos por cinco minutos até
chegarmos a uma porta abandonada.
- Ana – disse sério. – Eu preciso
que você confie em mim.
- Que isso menino?- dei um
leve sorriso – Quer me assustar?
- Não Ana... Só quero que você saiba que aqui é meu “lugar secreto” –
disse ainda mortificado – Você é a primeira pessoa que vem aqui.
- Ah... Obrigada, eu acho.
Ele pegou em minha mão e
apertou forte enquanto abria a porta.
- Feche os olhos – pediu ele,
gentilmente, em meus ouvidos.
Ele me puxou um pouco para frente.
Senti a porta se fechando atrás de mim.
- Seja bem vinda Aninha. Pode
abrir os olhos.
E então eu vi um paraíso. Era
um campo verde lívido, com a grama perfeitamente aparada e uma castanheira,
enorme, no centro.
- Vem! – Chamou ele.
Corremos de mãos dadas, como
no primeiro dia em que nos conhecemos.
Embaixo da castanheira havia
um lençol quadriculado estendido, com uma cesta de palha e um violão em cima.
- O que é isso? – Perguntei incrédula.
Obviamente era um encontro, mas era tudo tão maravilhoso que eu precisava escutar
dele.
- Um piquenique – deu-me um
sorriso fraco
Ainda estávamos de mãos
dadas. Isso confirmava a minha hipótese.
- Sente-se e vamos comer. Também
estou com muita fome.
E então, ambos começamos a
rir histericamente enquanto comíamos. Fazíamos palhaçadas um para o outro. Era
tudo tão mágico, tão encantador...
Depois de comermos (muito),
deitei-me em seu colo. Ficamos um bom tempo assim: eu deitada de olhos
fechados, ele brincando com meus cachinhos, penteando com os dedos. Ele
cantarolava a melodia de Save me dos Hansons enquanto eu, em silêncio, me
deliciava com o som doce da voz dele.
- Vamos, levanta. – Ele disse
subitamente.
Não sabia como responder
àquela ação, então apenas o fitei perplexa.
- Só se sente. - Deu um sorriso
nervoso – tenho algo a mais para você.
Sentei-me.
Ele pegou o violão e se pôs a
minha frente.
- Por favor, não ria. – Disse
ele com o mesmo tom ansioso
“Não quero mais escrever em
segredo
Mesmo porque todos sabem o
que eu desejo
Sim, eu sou seu anônimo
Desculpe-me por demorar tanto
Mas eu não consigo ficar
longe da pessoa que amo
Sim, eu te amo
Amo sue jeito de ser boba
para me fazer rir
O modo como não consegue
mentir para mim
Até a maneira como prende o
cabelo quando fica nervosa
Eu te amo com suas manias e
defeitos
Te amei por muito tempo em
segredo
Can you be my Valentine? (Você pode ser minha namorada?)”
Não dissemos uma palavra
sequer. Estava sem fala, sem ar e provavelmente teria um infarto. Ele esperava
uma resposta, e eu estava muda.
Uma lágrima apareceu no canto
do seu olho. Virou abruptamente e começou a recolher tudo.
Eu não conseguia me mover.
Estava feliz, ansiosa, surpresa e apaixonada demais para isso.
Ele terminou de arrumar tudo
e começou a ir embora. Obriguei meu corpo a se mover e consegui alcançá-lo. Fiquei
a sua frente impedindo sua passagem. Estava com a cabeça baixa e os olhos muito
vermelhos.
- Sim. – sussurrei, mas ele
pareceu não entender. – Sim! Caramba! Por que acha que não aceitaria? – Gritei
Ele me olhou surpreso. E
quando viu minha expressão de ansiedade acreditou no que acabava de dizer.
Deixou tudo cair no chão, espalhando
uma diversidade de comida pelo chão. Cuidaríamos disso mais tarde.
Colocou meu cabelo
gentilmente atrás de minhas orelhas com um das mãos, enquanto a outra me puxava
pela cintura para mais perto de si.
Uma gota caiu sobre meus
ombros. Não lhe demos muita atenção.
E ali mesmo, na chuva, demos
nosso primeiro beijo. O campo se tornou nosso paraíso secreto desde então.
("Jéssica Stewart")
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