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sábado, 12 de setembro de 2015

RESENHA - O xangô de Baker Street(Jô Soares)

Jô Soares é um jornalista respeitado e bastante polêmico. Mas é com certeza um ícone da literatura brasileira, e faz questão de imprimir sua marca nos textos que produz. Em “O Xangô de Baker Street”, mantém sua irreverência e espontaneidade, brincando com a história e a ficção de tal forma que o leitor mais atento acaba apaixonando-se pelo contexto em que Jô nos insere.

A trama se passa num Brasil imperial tentando mostrar-se modernizado, com suas vielas enormes e sua característica cosmopolita. Porém, mesmo com Dom Pedro e suas incontáveis tentativas de ressaltar os valores da terra americana, os barris de excremento carregados pelos negros africanos e as centenas de cuspideiras espalhadas pela orla não são tão agradáveis aos estrangeiros desacostumados ao fervor do Brasil.

Sarah Bernhardt é uma atriz de renome vinda da França para uma temporada de apresentações nos teatros cariocas, e causa rebuliço no povo quando passa pela avenida em seu carro aberto, ostentando fama.

Contudo, a arte que Pedro tanto buscava trazer para seu império encontra-se ameaçada pelo sumiço de Canto do Cisne, um violino Stradivarius pertencente à elite imperial e segredada a D. Pedro. Uma peça rara que encontra-se em mãos erradas.

Através desta problemática, Pedro não vê outra alternativa a não ser convocar as autoridades policiais e reportar o furto do objeto. Mas o delegado Mello Pimenta encontra dificuldades, visto que, em tese, o violino não era para existir — e o imperador sabia disso.

Ao mesmo tempo, alguém encontra uma vítima indefesa perambulando pelas ruelas da capital e resolve aproveitar-se da situação. Rasga sua garganta e deleita-se com o sangue que escorre até o chão. Sentir o cheiro da morte lhe traz sensação de dever cumprido. Um dever de louco que busca manter a todo custo. Como presente, arranca dela a orelha. Um par de recordações. Uma conta em um colar macabro. E uma corda do Stradivarius atravessada nas intimidades.

O mistério mostra-se indecifrável até mesmo para o experiente Mello Pimenta. Pedro resolve convocar, por sugestão de Sarah, o famoso detetive londrino Sherlock Holmes, que traz de companhia seu fiel escudeiro Watson. Juntos, os dois atendem ao pedido e enfrentam a viagem ao Brasil, cheios de curiosidade quanto à nova terra.

“PARA O VIAJANTE que vinha pelo mar, era um deslumbramento a vista da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Todo o litoral, adornado por uma vegetação exuberante, cobria-se de coqueiros, sapucaias, muricis e árvores jamais sonhadas por mentes europeias. Assim que o navio cruzava a barra e entrava na baía da Guanabara, entre a ilha do Governador e o Pão de Açúcar, o navegante começava a ver os bairros de Botafogo, Catete e Glória, que já mostravam algumas construções de porte. As águas ficavam coalhadas de pequenas embarcações que iam acolher os vapores, com seus marinheiros lançando gritos de boas-vindas. Entre os morros do Castelo e de São Bento, percebiam-se, ao fundo, os telhados do centro da cidade, porém o que mais chamava a atenção de quem chegava era a alvura das areias das praias.”

Assim, Jô Soares inicia uma narrativa curta da investigação sobre o paradeiro do violino e do assassino em série, não medindo esforços para prender seu leitor no mistério. Por vezes, acho que me encontro sentado ao lado de algum dos personagens, como espectador, acompanhando o desenrolar dos fatos.

O curioso do livro é que são apresentados personagens históricos e figuras ilustres de nossa terra, como D. Pedro, Olavo Bilac, Chiquinha Gonzaga, Paula Ney, Aluísio Azevedo e até mesmo as figuras de Holmes e Watson, que sempre viveram apenas no mundo da ficção. Cada um deles tem seus trejeitos, suas características bem marcantes, e certo tom caricato que acredito ser uma das marcas narrativas de Jô Soares. Juntos, os personagens dão o ar da graça ao livro e deixam-no muito mais descontraído.

Holmes é um caso a parte na trama. O detetive inglês desmonta sua elegância e pomposidade nas terras tropicais e faz questão de enturmar-se com o clima, a gente e os costumes daqui. Assim, entre feijoadas, acarajés e muita caipirinha, o inglês esbalda-se a dançar com as belíssimas mulatas e diverte-se com a excentricidade do povo brasileiro. Jô brinca com o consagrado personagem de Sir. Doyle, trazendo-o para uma perspectiva mais próxima da realidade e deixando-o mais humano. De fato, o personagem mais sombrio, misterioso e incoercível da literatura inglesa, mostra-se capaz, por exemplo, de padecer na diarreia, viciar-se na cannabis sativa e ainda arranjar tempo para apaixonar-se por uma mulata.


O público costuma condenar este livro exatamente por isso, porém entendo que o segredo é tentar imaginar que tudo aquilo deixou Holmes mais humano. Deixou-o palpável, como se tivesse realmente existido. Esta é a singularidade da narrativa de Jô Soares, com seus textos leves e que abrangem um público-alvo considerável, desde os jovens até mesmo os idosos. Afinal, é uma aventura policial histórica, mas com toda a irreverência e modernidade da literatura dos dias de hoje. 

André Luiz

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DADOS  OBRA(SEGUNDO O SKOOB)


ISBN-10: 8571644829
Ano: 1995 / Páginas: 349
Idioma: português
Editora: Companhia das Letras

NOTA: 3,5/5

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