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segunda-feira, 12 de maio de 2014

A boneca de cera

Todas as noites, Christina fazia questão de dar “boa noite” à Alice, sua linda boneca de cera.

A garota, de sete anos, pedira certa vez à sua mãe uma boneca que se parecesse com ela: De traços finos e meigos, cabelos loiros e curtos, além de uma pequena bochecha rosada e lindos olhos azuis. Quanto às roupas, foram encomendadas três: Um pequeno vestido rosa com bordados de renda na barra, um segundo vestido, desta vez maior e amarelo, com uma manga igual à dos contos de fadas. Havia também um terceiro vestido, que era menor e bem colado ao corpo, mais moderno e simples, da cor do sangue, que parecia esbanjar sensualidade. Este, por ser bem mais ousado, a mãe de Christina guardou-o assim que chegou.
No dia em que a boneca encomendada chegara, a menina pegou-a e instantaneamente ninou-a, como se fosse sua filha. Sua expressão delicada parecia por um momento ter se tornado algo tenebroso e macabro, mas somente por um momento, quando a menina olhou novamente e a boneca estava ali, gentilmente esperando pelos afagos.
-O nome dela será Alice. – Christina disse à sua mãe, com um sorriso no rosto. – Em homenagem à minha amiga da escola.

No outro dia, as aulas foram suspensas. A menina Alice tinha se afogado em uma piscina durante a noite, com a causa daquilo tudo desconhecida. Por que ela iria para o lado de fora em plena madrugada? Ninguém conseguia deduzir.
A mãe de Christine decidiu não falar com ela sobre o acontecido, visto que as duas meninas eram muito próximas.
Mas Christine parecia entender tudo aquilo, e disse carinhosamente para sua mãe:
-Não se preocupe, mamãe. Alice continuará aqui comigo. Ela se tornará minha boneca e ficaremos felizes para sempre.
A mãe não gostou nada da fala da filha. Tempos depois, escondeu-a em um armário e torceu para que a filha esquecêsse de tudo aquilo. Apesar do choro da menina Christine, a mãe dela não deu o braço a torçer e manteve a boneca dentro do armário.
-Boa noite, querida. – A mãe deu um beijo na filha e colocou o cobertor sobre ela.
-Eu quero a Alice. Ela precisa de mim para dormir. Eu tenho que dar boa noite à ela. – A menina disse, com os olhos ainda vermelhos de tanto chorar.
A mãe não respondeu. Deu outro beijo na menina e apagou as luzes.

O sol estava brilhando no céu quando Christine acordou.
-Bom dia! – Disse a menina.
A boneca Alice estava na prateleira, cuidadosamente colocada. Um ursinho ao seu lado tinha caído no chão, assim como diversas peças de Lego que antes formavam um castelo.
                Parecia que Alice queria falar algo com Christine, mas como era uma boneca, não tinha como fazê-lo. Enquanto isso, a boneca olhava fixamente para ela, com aqueles pequenos e obscuros olhos azuis.
                Alguns minutos depois, a mãe de Christine chegou ao quarto.
                -Bom di... – Ela vira a boneca na prateleira. – Chris, foi você que a trouxe para cá? – Depois de perguntar, a mãe viu que não tinha outra opção. Ela teria vindo sozinha? Claro que não. – Deixa.
E pegou novamente a boneca, colocando-a no armário. Pareceu não notas algumas estranhas marcas de unhas no interior do móvel, pois passou direto por elas e depositou a pequena boneca por ali, que parecia ter chegado com o batom borrado e a maquiagem desfeita, como se ela tivesse chorado. Trancou o armário mais do que rapidamente.

Aquela noite foi absurdamente anormal.
Primeiro, a mãe de Christine, Mary, pensou ter ouvido uma baixa voz que clamava por ajuda. Depois, o barulho de unhas arranhando algo bem fino, quase que um giz passando pelo quadro. Por fim, o som de passos no corredor.
Na outra manhã, a boneca estava no quarto de Christine novamente.
Aterrorizada, a mãe da menina já preparava-se para pegar a boneca quando a menina acordou, e lentamente disse:
-Deixa ela aí, mãe. Ela me faz companhia.
A mãe respondeu-a sem palavras, somente com um olhar de reprovação.
-Não.
-Por favor...
-Não.
-Por favor...
-Não e não.
E retirou-se do quarto.
Foi imediatamente contar ao marido sobre a boneca e sobre ela todas as noites estar na prateleira da filha. O homem não acreditou nela, e disse que a filha tinha o direito de ficar com a boneca.
Nem precisou levá-la a filha. Tinha a deixado em cima da mesa da cozinha, mas, ao passo que foi conversar com o marido, a boneca tinha voltado às mãos da menina.
Por semanas, tudo ficou normal.
Até que um dia, a noite, quase na hora de dormir, a mãe escutou uma canção de ninar, bem ao longe, vindo do quarto da filha. Aos poucos, foi se aproximando do local. Ao chegar, viu que a boneca estava sentada junto à menina, as mãos das duas estavam unidas, e a música foi se intensificando, mas não era Christine que estava cantando. Era a boneca.
Desesperada, a mãe arrancou a boneca das mãos da menina, que chorou muito; e muito alto. O pai da menina chegou, correndo. Ele também ficou muito preocupado ao ouvir da mulher o que havia acontecido.
A mulher correu com aquela boneca de cera dependurada pelas mãos. Naquele dia, o vestido vermelho estava bem colado ao corpo da boneca. A mãe ficou mais desesperada ainda.
Uma pá foi usada para cavar um buraco relativamente raso, do tamanho de uma caixa de sapatos. A boneca foi jogada ali e muita terra foi posta em cima.
Um crucifixo imaginário foi feito pela mãe da menina, implorando por um pouco de paz.

Anos e anos se passaram desde aquele dia, em que a família viveu feliz e unida, livres da boneca de cera. Se mudaram algum tempo depois, e uma nova família foi para o local.
A nova família era composta por um casal e um filho, que não tinha bonecas. No dia da mudança, estavam todos jantando calmamente e de maneira muito aconchegante.
Alguns minutos depois, o filho vai ao seu quarto para dormir, e rapidamente chama sua mãe para tirar uma dúvida:
-Mãe? Eu não gosto de bonecas. Tem uma aqui na prateleira de meu quarto, e ela parece estar olhando para mim.

A boneca de cera havia voltado.

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