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quinta-feira, 15 de maio de 2014

Agorafóbico

     Mais um dia se iniciava. Antes mesmo de abrir os olhos, refleti sobre meu estado de espírito. Estou com medo? Não. Tudo bem, então.
     Levantei-me e estiquei os braços. Estou com medo? não.
     Dirigi-me a cozinha em busca de algo para comer. Minha barriga roncava, e como se por ironia, na geladeira havia apenas uma pizza de molho esverdeado, o qual suspeito que seja uma galáxia de micro-organismo.
     Ir à padaria do bairro era a única saída.
     Retornei ao quarto e abri as portas do guarda-roupa. Uns dez minutos se passaram, e mesmo assim não sabia o que vestir. Ver o tempo e como as pessoas estavam talvez ajudasse. Abri a janela. Estou com medo? não.
     Olhei pela vista do meu apartamento, mas nada adiantou. Talvez houvesse alguém andando na rua, ou talvez não. O fato é que minha janela era voltada para uma área ambiental preservada.
     Uma faísca se acendeu. Havia próximo a minha morada uma área desocupada, susceptível a ser esconderijo de algum psicopata, terrorista afegão, espião russo ou comunista malthusiano. Estou com medo? ... Estou com medo? ... anda, responde logo. Estou com medo?... Minhas mãos começaram a suar. Como se respira mesmo? Ah! inspira, expira, inspira, expira... Estou com medo?... e finalmente constate: não. Ufa! Foi por pouco.
     Peguei meu casaco e dirigi-me à porta. Estava trancada. A chave! Tinha me esquecido dela. Vasculhei meus bolsos e encontrei uma reserva. Deixar meu apartamento fazia meu coração apertar. O que poderia acontecer? Posso ser assaltado, atingido por uma bala perdida, atropelado, cair em um fosso ocasionado por más condições de trens subterrâneos, atingido por um vergalhão! Estou com medo?... Estou com medo? ... não.
     Andei pela rua com cautela. Não vi rostos, roupas ou paisagens. Era tudo um borrão em meio as minhas preocupações. Passei todo o trajeto verificando se estava ou não com medo, e consegui chegar a salvo.
     A padaria Pão com Coisas estava pouco movimentada, como era normalmente. Pedi meu cappuccino e fiquei admirando a paisagem. O sol quente energizava a cidade. Crianças corriam freneticamente em torno da pracinha, deixando suas mães loucas. Bicicletas, carros, motos, vans, ônibus... faziam um alvoroço na avenida principal, ainda que seja pela manhã.
     Poucos minutos depois meu pedido ficou pronto. Dirigi-me ao balcão e um garçom tatuado com uma enorme cicatriz que cortava-lhe o olho e a bochecha direita entregou minha bebida com um olhar fixo e ameaçador. Estou com medo? não.
     Voltei a mesa e encontrei uma faca embebida em uma mistura vermelha escarlate. Estou com medo? No mesmo instante chegou um carro de polícia com as sirenes acionadas. Os militares saltaram do veículo rapidamente e com suas armas em punho, entraram no estabelecimento.
     "Achamos! Achamos! Vem vem vem vem vem", diziam eles. Estou com medo?
     O garçom veio em minha direção, segurando uma segunda faca. Estou com medo?
     Um grito engasgado saiu involuntariamente, fazendo com que o homem se aproximasse mias rápido. Caí no chão, desesperado, berrando.
    Estou com medo?... Inspira. Estou com medo? expira... 1,2... Estou com medo?... 3,4,5... Estou com medo?... Inspira
     Um dos policiais atirou em nossa direção, acertando a nuca do garçom, que caiu sob os meus pés.
     Estou com medo? 6, 7, 8... expira
     Um policial veio em minha direção, me pegou nos braços... 9... e perguntou "O que foi? O que você tem?"
     ...10
     - Medo.

("Jéssica Stewart")

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