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segunda-feira, 12 de maio de 2014

Sedução


              Estava tudo muito calmo até aquele momento. Camille havia acordado a pouco e preparava-se para sair com o namorado novo. Era seu primeiro encontro com ele, que conhecera em um restaurante a alguns dias, e ela desejava se fixar naquele relacionamento de vez e engatar um noivado a partir dali. A sociedade a comprimia para tal e o resto do mundo parecia conspirar contra ela.
      Tomou o banho como faz todos os dias.
      -Tenho que estar deslumbrante! – Pensou.
      E foi de encontro ao espelho. Curioso que aquele objeto tão insignificante pudesse despertar tantos sentimentos nas pessoas. Algumas delas, ficam tristes quando pensam naquela sobra de pele ao lado da barriga. Outros adoram se olhar no espelho. Os narcisistas se amam tanto que podem ficar horas e mais horas se olhando à frente dele.
      Como sempre, ela decidiu usar algo menos ousado, que a deixasse bonita, mas sem esbanjar muito. Se trocou e depois voltou-se ao espelho.
      Aquele instrumento maravilhoso servia, para ela, mais do que para observar-se, e sim como uma forma de devanear sobre as questões da vida. Muitas vezes, Camille postou-se a frente do espelho e deslumbrou-se com a figura que via refletida. Quanto ela havia crescido desde o seu último namorado! Agora ela sentia-se muito feliz ao lado daquele rapaz, tanto que aquele dia de encontro seria muito especial.
      A campainha tocou quase que imediatamente após o fim daquela contemplação individual de Camille. Era Joe Rogers, seu mais novo affair.
      -Oi amor, como vai? – Questionou o homem.
      -Ansiosa e apreensiva, mas satisfeita por estar ao seu lado. – A moça sorriu carinhosamente e depositou delicadamente as mãos sobre as do rapaz. – Desculpe-me se estou sendo ousada demais, mas eu posso dar-te um beijo?
      Apesar da pergunta, ela não esperava uma resposta verbal, mas assim um longo e demorado beijo entre namorados. Da última vez, ela teve a certeza de que sua timidez aa havia atrapalhado.
      O rapaz se assustou um pouco, mas logo cedeu ao pedido e tascou-lhe logo um terno, mas atrapalhado beijo de amor.
      -Obrigada. – Ela afirma, corada.
      -Obrigada porque? – O rapaz deu um sorriso com o canto da boca, que foi respondido com mais um beijo, desta vez por iniciativa dela.
      -Por estar ao meu lado. – E olhou para ele, com pequenas lágrimas escorrendo dos olhos.
      -Sempre estarei, Camille.
      A mulher então resolveu voltar ao quarto para retocar a maquiagem.

      Aquele banheiro alvo e cuidadosamente limpo poderia suportar um time inteiro de futebol, visto que era tão espaçoso quanto a própria dona da casa, e exalava um perfume tão delicado quanto uma rosa. Na verdade, rosas eram as flores preferidas da mulher.
      Camille ainda podia sentir aquele vapor que emanava do local, um calor aconchegante e estupidamente sensual, despertando corpo e alma para mais algum tempo de vida, sempre com algum toque de sedução.
      E o espelho continuava embaçado, como se a água esperasse a mulher para escorrer vidro afora.
      Certamente ela teria que pegar uma toalha para limpá-lo, ao passo que agarraria o estojo de maquiagem para recompor-se visualmente daqueles dois primeiros beijos que seu mais novo namorado lhe dera.
      Decerto que seu coração não pararia de palpitar por um longo tempo depois daquilo. Lá no fundo, ela queria mais e mais. Podia olhar-se no espelho e ver sua  sensualidade aflorando naquele corpo, com uma animação grotesca e instintiva.
      Então, em um súbito acesso de euforia, ela pegou o batom mais provocante que tinha, de cor carmim, tão escuro quanto o sangue, de nome Sedução, e passou-o, delineando aqueles lábios carnudos e provocantes.
      Como se não bastasse , Camille ainda resolveu mudar de vestido para algo mais provocante, e um tomara que caia negro como a noite, cravejado de minúsculos cristais, foi colocado, com comprimento substancialmente longo; contudo, uma abertura ousada cavada desde os pés até o final das coxas, como se ela fosse mesmo “cair para matar” , no ditado popular.
      Neste ponto, os psiquiatras poderiam até dizer que ela estava louca, mas na verdade, ela estava era perdida de amores por Joe.
      E não queria encontrar-se.
      Prostrou-se à frente do espelho, fez uma pose que valorizava suas curvas quase esculturais e tirou uma selfie com seu smartphone virado para o espelho, mas não teve tempo suficiente para conferir o resultado de seu trabalho individual de contemplação , e foi logo postando a foto em seu Instagram.
      A buzina do carro de Joe soava agora, e por duas vezes a mulher ouviu-a antes de se tocar que estava a tempo demais ali, e que não era nada romântico deixar um homem sedutor esperando-a sozinho lá embaixo, na rua, visto que uma outra qualquer podia passar por ali e tirá-lo de Camille.
      Ela conferiu novamente seu reflexo e disse para si mesma, convencida de seu charme:
      -Você está tão bonita!
      E desceu um lance de escadas após o outro, porque o salto finíssimo que ela calçara exigia certo equilíbrio. Um tombo na frente daquele garanhão não seria bem visto.
      Antes mesmo de chegar próxima ao carro dele, ela já retomara a pose e exibiu toda a sensualidade que ela guardara por anos a fio, intríscecamente, consigo, e agora soltava-a como uma fêmea no acasalamento.
      E do outro lado daquela calçada de pedras, Joe a esperava, boquiaberto e tão espantado que nem uma plateia de filmes macabros poderia estar.
      -UAU! – O homem parecia realmente transtornado.
      “Exagerei?”, pensou Camille, corada.
      -Você está linda, meu amor. – Joe aproximou-se. Seu perfume amadeirado e másculo misturava-se com a doce fragrância de rosas de Camille. – Ah, e a propósito, rosas são as flores do amor.
      Camille sentiu-se quente por dentro. “Então é assim tão bom estar apaixonada?”, ela pensou, talvez um pouco alto demais.
      -Você nunca ficara apaixonada antes, meu amor?
      Ela fez que não com a cabeça.
      -Na verdade, já namorei outros caras antes, mas nunca senti algo tão forte assim. – Ela olhou-o novamente no fundo dos olhos.
      -Beije-me.
      Joe repousou ambos os braços sobre os ombros de Camille. Agora os dois estaavam bem mais perto e mais conectados do que da primeira vez que se beijaram, minutos atrás.
      -Como assim? – A garota questionou.
      -Somente beije-me.
      Joe inclinou o pescoço para a frente e repousou os lábios sobre a testa da garota, acariciando-a nos cabelos pesados. Uma onda de tremores subiu pela espinha dela, e ela delicadamente conduziu os lábios do rapaz até os seus, completando aquele que seria o beijo mais acalentado e apaixonado de todos os tempos.
      Durante longos minutos eles ficaram ali, unidos de alma e corpo, até que Camille afastou-se um pouco, deixando o homem sem entender o que realmente acontecia.
      Ela subitamente lembrou-se que nunca havia beijado alguém tão apaixonadamente assim. Aquele beijo tinha deixado-a sem ar, e ela sentia-se embaraçada por isso.
      -O que foi?
      -Nada. – A moça mentiu.
      -Vamos então?
      E conduziu-a rumo àquele lindo, elegante, imponente e luxuoso Honda, branco como uma  pérola.

      O jantar estava tão maravilhoso que a moça não percebeu a hora passar.
      Já por volta de uma da manhã, o casal havia parado ao lado de um lago com águas turvas e negras, que refletia a luz do luar, que especialmente naquela noite estava tão linda, com aquela Lua redonda e brilhante no céu.
      Uma névoa rala e fria passou pelo local onde eles estavam, e Camille teve de se aconchegar nos braços de seu novo namorado.
      -Camille?
      -Oi?
      -Posso te chamar de Luna?
      -Porque Luna?
      -Para marcar para sempre em nossas memórias que, no dia em que ficamos oficialmente namorados, a lua brilhava romanticamente no céu.
      -Que lindo! – A mulher deu-lhe um beijo, retribuída com uma aliança de ouro e diamantes.
      -Aceita ser minha namorada?   - Joe estendeu a joia para a mulher.
      -Claro! – Camille estava ofegante.

      O que aconteceu no resto da noite é totalmente dispensável.

      No outro dia, pela manhã, o telefone da emergência policial tocou.
      -Delegacia de polícia, bom dia.
      -Desejo comunicar o desaparecimento de Joe Hudison Rogers.
      -Qual a última vez que o viu?
      -Ontem à noite.
      -Sua relação com ele?
      -Namorada.
-Seu nome?
-Luna.
      -Mandaremos logo uma viatura para te auxiliar aí.
      -Obrigada, pois estou desesperada.
      -Acalme-se, que já iremos a sua ajuda.
      -Sim. Na verdade... – A mulher parou por algum tempo, absorta, depois mentiu. - ...eu já ouço a viatura, bem ao longe. Acho que já posso desligar.
      -Fique bem e bom dia.
      -Obrigada.

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