Estava tudo muito calmo até aquele momento. Camille havia acordado a pouco e preparava-se para
sair com o namorado novo. Era seu primeiro encontro com ele, que conhecera em
um restaurante a alguns dias, e ela desejava se fixar naquele relacionamento de
vez e engatar um noivado a partir dali. A sociedade a comprimia para tal e o
resto do mundo parecia conspirar contra ela.
Tomou o banho como faz todos
os dias.
-Tenho que estar
deslumbrante! – Pensou.
E foi de encontro ao espelho.
Curioso que aquele objeto tão insignificante pudesse despertar tantos
sentimentos nas pessoas. Algumas delas, ficam tristes quando pensam naquela
sobra de pele ao lado da barriga. Outros adoram se olhar no espelho. Os
narcisistas se amam tanto que podem ficar horas e mais horas se olhando à
frente dele.
Como sempre, ela decidiu usar
algo menos ousado, que a deixasse bonita, mas sem esbanjar muito. Se trocou e
depois voltou-se ao espelho.
Aquele instrumento
maravilhoso servia, para ela, mais do que para observar-se, e sim como uma
forma de devanear sobre as questões da vida. Muitas vezes, Camille postou-se a
frente do espelho e deslumbrou-se com a figura que via refletida. Quanto ela
havia crescido desde o seu último namorado! Agora ela sentia-se muito feliz ao
lado daquele rapaz, tanto que aquele dia de encontro seria muito especial.
A campainha tocou quase que
imediatamente após o fim daquela contemplação individual de Camille. Era Joe
Rogers, seu mais novo affair.
-Oi amor, como vai? –
Questionou o homem.
-Ansiosa e apreensiva, mas
satisfeita por estar ao seu lado. – A moça sorriu carinhosamente e depositou
delicadamente as mãos sobre as do rapaz. – Desculpe-me se estou sendo ousada
demais, mas eu posso dar-te um beijo?
Apesar da pergunta, ela não
esperava uma resposta verbal, mas assim um longo e demorado beijo entre
namorados. Da última vez, ela teve a certeza de que sua timidez aa havia
atrapalhado.
O rapaz se assustou um pouco,
mas logo cedeu ao pedido e tascou-lhe logo um terno, mas atrapalhado beijo de
amor.
-Obrigada. – Ela afirma,
corada.
-Obrigada porque? – O rapaz
deu um sorriso com o canto da boca, que foi respondido com mais um beijo, desta
vez por iniciativa dela.
-Por estar ao meu lado. – E
olhou para ele, com pequenas lágrimas escorrendo dos olhos.
-Sempre estarei, Camille.
A mulher então resolveu
voltar ao quarto para retocar a maquiagem.
Aquele banheiro alvo e
cuidadosamente limpo poderia suportar um time inteiro de futebol, visto que era
tão espaçoso quanto a própria dona da casa, e exalava um perfume tão delicado
quanto uma rosa. Na verdade, rosas eram as flores preferidas da mulher.
Camille ainda podia sentir
aquele vapor que emanava do local, um calor aconchegante e estupidamente
sensual, despertando corpo e alma para mais algum tempo de vida, sempre com
algum toque de sedução.
E o espelho continuava
embaçado, como se a água esperasse a mulher para escorrer vidro afora.
Certamente ela teria que
pegar uma toalha para limpá-lo, ao passo que agarraria o estojo de maquiagem
para recompor-se visualmente daqueles dois primeiros beijos que seu mais novo
namorado lhe dera.
Decerto que seu coração não
pararia de palpitar por um longo tempo depois daquilo. Lá no fundo, ela queria
mais e mais. Podia olhar-se no espelho e ver sua sensualidade aflorando naquele corpo, com uma
animação grotesca e instintiva.
Então, em um súbito acesso de
euforia, ela pegou o batom mais provocante que tinha, de cor carmim, tão escuro
quanto o sangue, de nome Sedução, e passou-o, delineando aqueles lábios
carnudos e provocantes.
Como se não bastasse ,
Camille ainda resolveu mudar de vestido para algo mais provocante, e um tomara
que caia negro como a noite, cravejado de minúsculos cristais, foi colocado,
com comprimento substancialmente longo; contudo, uma abertura ousada cavada
desde os pés até o final das coxas, como se ela fosse mesmo “cair para matar” , no ditado popular.
Neste ponto, os psiquiatras
poderiam até dizer que ela estava louca, mas na verdade, ela estava era perdida
de amores por Joe.
E não queria encontrar-se.
Prostrou-se à frente do
espelho, fez uma pose que valorizava suas curvas quase esculturais e tirou uma selfie com seu smartphone virado para o espelho, mas não teve tempo suficiente
para conferir o resultado de seu trabalho individual de contemplação , e foi
logo postando a foto em seu Instagram.
A buzina do carro de Joe
soava agora, e por duas vezes a mulher ouviu-a antes de se tocar que estava a
tempo demais ali, e que não era nada romântico deixar um homem sedutor
esperando-a sozinho lá embaixo, na rua, visto que uma outra qualquer podia
passar por ali e tirá-lo de Camille.
Ela conferiu novamente seu
reflexo e disse para si mesma, convencida de seu charme:
-Você está tão bonita!
E desceu um lance de escadas
após o outro, porque o salto finíssimo que ela calçara exigia certo equilíbrio.
Um tombo na frente daquele garanhão não seria bem visto.
Antes mesmo de chegar próxima
ao carro dele, ela já retomara a pose e exibiu toda a sensualidade que ela
guardara por anos a fio, intríscecamente, consigo, e agora soltava-a como uma
fêmea no acasalamento.
E do outro lado daquela
calçada de pedras, Joe a esperava, boquiaberto e tão espantado que nem uma
plateia de filmes macabros poderia estar.
-UAU! – O homem parecia
realmente transtornado.
“Exagerei?”, pensou Camille,
corada.
-Você está linda, meu amor. –
Joe aproximou-se. Seu perfume amadeirado e másculo misturava-se com a doce
fragrância de rosas de Camille. – Ah, e a propósito, rosas são as flores do
amor.
Camille sentiu-se quente por
dentro. “Então é assim tão bom estar apaixonada?”, ela pensou, talvez um pouco
alto demais.
-Você nunca ficara apaixonada
antes, meu amor?
Ela fez que não com a cabeça.
-Na verdade, já namorei
outros caras antes, mas nunca senti algo tão forte assim. – Ela olhou-o
novamente no fundo dos olhos.
-Beije-me.
Joe repousou ambos os braços
sobre os ombros de Camille. Agora os dois estaavam bem mais perto e mais
conectados do que da primeira vez que se beijaram, minutos atrás.
-Como assim? – A garota
questionou.
-Somente beije-me.
Joe inclinou o pescoço para a
frente e repousou os lábios sobre a testa da garota, acariciando-a nos cabelos
pesados. Uma onda de tremores subiu pela espinha dela, e ela delicadamente
conduziu os lábios do rapaz até os seus, completando aquele que seria o beijo
mais acalentado e apaixonado de todos os tempos.
Durante longos minutos eles
ficaram ali, unidos de alma e corpo, até que Camille afastou-se um pouco,
deixando o homem sem entender o que realmente acontecia.
Ela subitamente lembrou-se
que nunca havia beijado alguém tão apaixonadamente assim. Aquele beijo tinha
deixado-a sem ar, e ela sentia-se embaraçada por isso.
-O que foi?
-Nada. – A moça mentiu.
-Vamos então?
E conduziu-a rumo àquele
lindo, elegante, imponente e luxuoso Honda, branco como uma pérola.
O jantar estava tão
maravilhoso que a moça não percebeu a hora passar.
Já por volta de uma da manhã,
o casal havia parado ao lado de um lago com águas turvas e negras, que refletia
a luz do luar, que especialmente naquela noite estava tão linda, com aquela Lua
redonda e brilhante no céu.
Uma névoa rala e fria passou
pelo local onde eles estavam, e Camille teve de se aconchegar nos braços de seu
novo namorado.
-Camille?
-Oi?
-Posso te chamar de Luna?
-Porque Luna?
-Para marcar para sempre em
nossas memórias que, no dia em que ficamos oficialmente namorados, a lua
brilhava romanticamente no céu.
-Que lindo! – A mulher deu-lhe
um beijo, retribuída com uma aliança de ouro e diamantes.
-Aceita ser minha namorada? - Joe estendeu a joia para a mulher.
-Claro! – Camille estava
ofegante.
O que aconteceu no resto da
noite é totalmente dispensável.
No outro dia, pela manhã, o
telefone da emergência policial tocou.
-Delegacia de polícia, bom
dia.
-Desejo comunicar o
desaparecimento de Joe Hudison Rogers.
-Qual a última vez que o viu?
-Ontem à noite.
-Sua relação com ele?
-Namorada.
-Seu nome?
-Luna.
-Mandaremos logo uma viatura
para te auxiliar aí.
-Obrigada, pois estou
desesperada.
-Acalme-se, que já iremos a
sua ajuda.
-Sim. Na verdade... – A
mulher parou por algum tempo, absorta, depois mentiu. - ...eu já ouço a
viatura, bem ao longe. Acho que já posso desligar.
-Fique bem e bom dia.
-Obrigada.
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