Algo
naquele beco chamou-me a atenção.
O calor que inundava a entrada era extraordinário, como se algo queimasse lá
dentro. Logo, uma chama dourada captou minha silhueta, deixando ainda mais
nítidas as sombras na parede, que dançavam um ritual satânico, desprendendo
tamanha emoção.
Um vulto enegrecido se desprendeu da
parede e vinha em minha direção com longas garras. Soltei um grito de terror, e
meu coração quase parou quando me tocou nos ombros e disse-me rasgando o
silêncio:
-Até que enfim eu lhe achei! Pensei
que não o veria nunca mais. – As unhas vermelhas rasgaram minha dignidade com
um toque quente e desesperador, que me trouxe na hora lembranças de um passado
já esquecido. Não queria ter um daqueles loucos flashbacks, mas era inevitável.
Ela tomou meus lábios em um beijo amargo e temeroso, faltando-me o ar. Era como
se minha alma fosse sugada da carne pela boca, com certa ferocidade e rancor
diabólico.
Queria fazer com que ela parasse,
mas já não era dono de minhas próprias vontades. Eu pertencia à ela.
-Não vai querer mais? – Questionou-me
quando me afastei metade envergonhado e metade eufórico. Queria mais, sempre
mais.
Ela começou a me conduzir à parede.
Estava enfeitiçado pela loucura da paixão, com ela me pressionando fortemente,
dizendo em meus ouvidos palavras sussurradas.
-Venha, meu bem. Eu sei o que você
quer. Sei também o que você precisa.
Estava preso em seus olhos dourados.
A parede cada vez mais perto e ela continuava a me puxar pela mão.
-Pare com isso! – Tentei gritar,
desesperado e afobado. Corri meus olhos pela rua atrás de mim, completamente
vazia. – O que você quer de mim? – Perguntei, olhando em seus olhos e vendo sua
alma por dentro, linda e cativante.
-Você sabe o que eu quero meu bem. –
Sussurrou ela em meus ouvidos. Deixei-me envolver. Ela pressionou-me contra a
parede e deu um beijo quente com os lábios carnudos em meu pescoço.
Começaram-se a eriçar os pelos de minha nuca enquanto ela passava as unhas
provocantemente vermelhas em meu abdômen definido.
Já não queria mais ir embora, e
entreguei-me totalmente a ela. Girei-a, trocando de lugar, e ela ficou de
costas para a parede de tijolos, gemendo.
Mas, assim como ela surgiu em um
ressalto, começou a dissolver-se em seu próprio prazer, que havia comungado com
o meu, coisa que não podia
-Não! – Gritei em desespero.
Ela já não estava mais lá. Ouvi no
silêncio da escuridão uma risada leve e satisfeita. Ela havia conseguido o que
queria. Agora, EU a desejava.
-O que faço para vê-la novamente? –
Questionei, contando as palavras.
-Nada. – Fui respondido com frieza,
por fonemas obscuros que vieram diretamente do nada.
E sumiu no breu daquele beco,
deixando-me somente com a lembrança de seu perfume suave e de suar artimanhas
para seduzir-me. Algo me fazia ter certeza de que ela voltaria, e que não
tardaria a reaparecer. Ademais, meus sentidos à flor da pele despertavam
instintos carnais que me faziam suspirar de desejo, como se uma aura secular
pairasse sobre mim e continuasse a me provocar. Meu desejo era vê-la em minha
cama quando chegasse em casa para poder apoderar-me daquele corpo.
-Boa noite, meu bem! – A voz voltou
por trás de minha nuca, e um aroma achocolatado invadiu minhas vias nasais.
-Te espero em meu apartamento. –
Disse baixinho, com tom malicioso no rosto, esperando que meu pedido fosse
atendido.
Esperei a voz do silêncio se
expressar, com aquele toque felpudo em meu tímpano que o fazia vibrar de
emoção, rompendo a tensão de minha escápula e derretendo meu coração.
-Não posso sair desse beco. – Ela
disse, encostando seu indicador em minha boca seca e ansiosa por algo mais. –
Sou filha das sombras, e não posso abandoná-las. Queria muito poder provar mais
disso aí. – Apontou para mim. Corei com as bochechas, que ardiam vermelhas como
fogo.
-Deixe-me então ficar com você. –
Supliquei, desesperado.
-Você sabe que é um caminho sem
voltas, certo?
-Não me importo. – Seus olhos se
iluminaram no meio da escuridão, como dois faróis altos.
-Chegue mais perto. – Ela ordenou de
forma baixa e lenta, como um ronrono.
-Sou todo seu. – Respondi, avançando
em sua direção. Ela envolveu-me com suas garras até alcançar meus glúteos, com
suas mãos delicadas se encaixando perfeitamente, e me puxando para si,
sugando-me com a escuridão, que tomou conta de mim. Tudo mais ficou escuro, mas
ainda podia sentir aquele perfume.
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