Páginas

Pesquisar este blog

sexta-feira, 8 de abril de 2016

CONTO - Você acredita no amor?


Não conseguia sentir o que acontecia, nem ver ou pensar direito. Só lembro que estava muito escuro... e teve uma explosão, eu acho. Sim, deve ter acontecido. Ficou tudo tão claro do nada, e apesar do meu estado, percebi que ficou muito quente também. Tenho marcas pretas em minhas roupas que comprovam que não estou mentindo. Fui jogada contra as paredes do castelo de Keukenhof, e  mal tive tempo de apagar algumas labaredas que queimavam meu vestido. Era uma construção bonita, sabe? Ficava olhando aquele jardim colorido, com as flores bem arrumadas, todos os dias. Ser artista de rua tem suas virtudes de vez em quando, ficar vendo coisas bonitas assim alegrava o coração de qualquer um desse mundinho triste. Duvido que tenha sobrado uma florzinha em pé.
Mas aí, voltando ao que estava dizendo, tenho essa cicatriz no meu olho de uma batalha contra trolls, já escutou falar? Criaturazinhas nojentas, verdes de tanto musgo entranhado naquela pele caracachenta. Fedem de longe! E por isso amigo, se sentir um cheiro meio podre, são eles se aproximando. Sorte minha que são burros como pedra! É só fingir de morto que eles passam reto. Só que naquela época eu não sabia disso, né? Quase morri mesmo... tentei fugir, mas como sou meio estabanada, tropecei e acabei caindo de cara numa pedra. Mas essa cicatriz nunca me deu trabalho, exceto naquele dia da explosão. Sangrou muito, mais do que quando a ganhei. Fiquei apavorada, lógico, achei que iria ficar cega de vez.  Aí algum bom coração me tirou do meio daquele fogarel e assim que me recuperei fui procurar o Doutor Frank... não importa o nome dele. Bem, ele disse que atingiu meus olhos em cheio e que agora teria que passar por uma grande adaptação.  Acho que aconteceu mesmo, mas não como o doutor pensava. Que isso não saia daqui, viu? Podem me prender e me queimar na fogueira, mas eu sei que posso confiar em você. O fato é  que agora eu vejo demais. 
Não sou uma bruxa, pelas bênçãos de Athena! Não pense nisso! E mesmo se fosse, você sabe que eu jamais faria mal a uma mosca. Enfim, foi uma dádiva dos deuses...  posso ver que está meio assustado, confuso, se perguntando onde quero chegar com tudo isso. Parece uma história mal contada, eu sei... mas tenha paciência, por favor, você vai ver onde quero chegar. Não consigo ler pensamentos ou prever o futuro. Vejo apenas a verdade, os sentimentos por trás da máscara. O Mágico de Oz disse que era a Arte do discernimento, ou seja, sei o que você está sentindo, mesmo que esteja tentando esconder, sei quando diz a verdade ou quando mente. Na verdade eu já te conheço tão bem que nunca precisei de nada para saber como você se sente, mas isso intensificou e ampliou; agora é com todo mundo.
Lembra quando a gente morava na vila? De todas as vezes que nos aventurávamos na floresta e acabávamos quase virando comida de ursos pardos quando descobriam que tínhamos comido do seu mingau? Do pé de jaboticava  que escalávamos como se fosse uma montanha? Da casa de chocolate em que robávamos doces? Do pó de fada que nos levava para as nuvens? De quando eu me sentia perdida e você me guiava para a luz? Você sempre encontrou o melhor de mim, não é verdade? Mesmo quando eu não precisava. Sempre me salvou dos monstros que viviam em minha mente. É que eu estava pensando aqui, com os meus botões... nada, deixa. 
Fui ao Reino das Águas Claras esses dias e conheci um príncipe. Não, eu não me apaixonei por ele, se é isso o que está pensando. Levei a Emília para visitar a Narizinho, que agora está morando lá, e aproveitei para conhecer sua filhinha, Alice. Ver aquela família reunida me deu saudades de casa, da nossa vila. Sempre quis ter algo assim, que me completasse... Reparei também no jeito em que o príncipe olhava sua esposa, com ternura no olhar... com amor. Então lembrei que naquela época eu tinha um castelo, como o de Keukenhof, com as flores e tudo. Tinha um príncipe também, sabia? Ele não tinha um cavalo branco ou algo parecido, era só meu e isso bastava. Ele me segurava com seus braços de menino e me prometia o mundo, uma vida de princesa ao seu lado... Ora, não me olhe assim! Não precisa de ciúmes; e poupe seus esforços em disfarçar. Esqueceu que eu consigo ver como se sente? 
Sinto falta daquela época, sabia? Gostaria que aquele Tufão jamais tivesse levado nossas casas. Gastei muito sapato te procurando por entre os vilarejos da estrada de tijolos amarelos. Reconheço que era imatura demais na época, que mal sabia o que era viver fora dos meus dramas. Aprendi enfim a conviver com a sua ausência, a superar a perda, encarar a vida fora do meu mundinho cor-de-rosa. Toco flauta, encanto a minha cobra em vasos para os passantes, só para ter o que comer. De vez em quando sou obrigada a dormir na rua, já passei tanto frio... é uma vida difícil de se viver, e só agora eu vejo isso.  Tudo o que passamos há poucos anos se tornou um borrão, como um conto de fadas que jamais existiu. Fiquei um tempo pensando se você realmente existia, se não era coisa da minha imaginação... e então nos encontramos assim, do nada... 
Lembro-me dos seus abraços calorosos e que o seu ombro era o local mais seguro para mim. Era nesse sentimento que me agarrava, a única lembrança de que você era real. Há algo especial em você, acredite. Afugentava todos os meus demônios e me envolvia com aquela paz que só você era capaz; mesmo quando fomos separados por aquela tempestade, você me prometeu com um sorriso, cujo foi motivo dos meus sonhos durante anos, que iríamos nos reencontrar de novo. Aqui estamos, não é mesmo? 
Eu só vim mesmo para dizer que eu tinha perdido quase todos os meus sentidos naquela explosão, mas quando me tiraram para um local em segurança, logo te reconheci. Me senti como aquela garotinha de cachinhos dourados novamente, protegida por seu super-herói. Obviamente você se escondeu como de costume. Tem uma reputação, um nome a zelar , e ambos sabemos que aqueles que vieram de Nárnia na época da feiticera branca são mal vistos por aqui. Mudou de nome e endereço diversas vezes, até matou o Barba Negra a pedido do Capitão Gancho, só para que ele te levasse até o Rumplestiltskin a bordo do Jolly Rodger; queria apagar seu passado para sempre, mas seu coração era um preço alto demais a ser pago pela mágica. Sei que você lutou muito para ser reconhecido em Idris como um caçador de sombra e não quer deixar o passado atrapalhar o seu futuro. Tem toda a razão, não o julgo. Eu nunca te encontrava, mas sempre achava seus rastros, mesmo quando não queria... Tinkerbell sempre me dava notícias sobre o seu paradeiro... 
Eu sei que você sabe que é meu parabatai e o medo que te assombra é tão humano quanto imagina. Você tem medo de sofrer. Eu vejo isso. Você tem medo de amar e de sofrer, não é mesmo? Por isso se afastou de mim, com medo de que eu não o quisesse e que tivesse seguido em frente com a minha vida, com medo desse nosso reencontro. Eu te entendo. Sentia o mesmo antes do incidente. Você tem medo que eu o faça sofrer e isso me tornou a sua fraqueza, por isso me seguia por aí, como uma sombra. 
Mas enfim, eu queria apenas dizer que não precisa se sentir assim. Através desse poder, pude clarear os meus sentimentos também. Você sempre foi o anjo em meus pesadelos, que pela noite eu desejava que nunca acabasse. Você já é a voz que ecoa dentro da minha mente, e poxa, eu sinto muito a sua falta. Poderíamos viver como antes, sei que sente o mesmo. Você é meu príncipe. E, com as bênçãos de Durga, poderemos viver nosso final feliz. Por favor, apenas fique comigo para sempre, até mesmo se o céu desabar. Eu te amo. 

("Jéssica Stewart")

Nenhum comentário:

Postar um comentário