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segunda-feira, 22 de abril de 2013

Conto - 2 Maneiras de matar Dominique

           


Veneno contra veneno



Ao acender a luz, Johann reparou que ali, na cena do crime, havia uma espiã indesejada. A espalhafatosa mulher encontrava-se próxima a uma estante, fumando um Cohiba legitimamente cubano. Percebia-se, pelo odor amadeirado, que o charuto era raríssimo, além de ser do mais fino tabaco e, inclusive, apreciado por personalidades como Fidel Castro.





A mulher se apresentou como Dominique, uma prostituta de luxo. Suas roupas indecorosas não a desmentiam: Ela usava um par de brincos argolados dourados, e um cordão longo e também metalizado, que lhe caía até o decote, reforçando a ousadia da mulher. Naqueles tempos, não se facultava o uso de roupas tão esdrúxulas, e aquela “cidadã” era uma exceção. Além de seus ornamentos, ela levava consigo uma pistola de calibre médio na cintura, carregada com seis balas de chumbo polido.


Insinuando-se para o jovem londrino, a mulher buscou encontrar algo que lhe interessasse para extorqui-lo. Porém, o sempre desconfiado Johann pressupôs que aquilo não era de bom grado, e foi logo reprimindo a mulher:


—O que a senhora está pretendendo adquirir com essa insinuação prepotente? Saiba que sua ganância já matou muito tempo atrás. Agora, a Dominique que vive e que está em minha frente é somente mais um pesadelo de Londres que está prestes a ser esquecido. A senhorita não acha? — Indagou.



A galdéria não acatou a fala de Johann, e retrucou o jovem com toda hipocrisia que aprendera em anos de ofício:


—Você é tolo, meu caro- Dominique levou as mãos à cintura em busca de sua arma — Saiba que sua vida vale muito menos que um cartucho deste lindo exemplar que levo em minhas mãos — Ela mostrou a arma a Johann, ameaçando deflagrar o cartucho à queima-roupa — Vamos providenciar logo uma barganha por sua vida, que ainda tenho que ganhar mais algumas milhares de libras esta noite.


—Ainda não compreendo o que você quer, querida. Abaixe esta pistola, pois não queremos nos ferir com isso. — Falou Johann, já preocupado com aquela arma apontada em sua cabeça.


—Já sei! Serão apenas quinhentas mil libras por sua vida, ou nada feito. Quero-as na próxima sexta, daqui a dois dias. Mais precisamente,48 horas. Acho que um jovem como você já sabe das artes da matemática, e que seu tempo está correndo a meu encontro. Seria mais coerente você acatar meu reles pedido, pois acho que ficaria aviltante um jovem burguês envolvido com algumas garotas como eu. Seria um escândalo — Ela parou e soltou uma risada debochada.


Ainda prosseguiu:


—Acho que agora devo partir, pois já perdi muito do meu precioso tempo com você. Até sexta, meu amor.


Dominique dirigiu-se aos fundos daquela hospedaria. Ao chegar bem rente à porta, ela parou, refletiu um pouco, e finalizou seu pensamento:


—Querido, não se esqueça desses cadáveres, pois têm de ser escondidos. Coitada dessa sua irmã, abusada por você. E este seu irmão desafortunado, nem pode aproveitar de meus serviços. Acho que agora finalizei minha fala. Pode ficar aí com seus problemas. Adeus — Disse, já atravessando o arco da porta.


Johann ficou ali, embriagado de dúvidas que o cercavam: Como proceder diante de tudo isso? Acatar ou não a ordem de Dominique? Somente conseguiu se recostar em uma das paredes e deixar que uma lágrima percorresse o sinuoso caminho de seu rosto. Ele chorava não de medo, mas sim de remorso por ter feito tudo aquilo.


Isso o impedira de pensar até agora, mas o instinto de sobrevivência não o abandonara ainda; e ele decidiu que estava na hora de por um fim em Dominique. Assim como livrar-se daqueles corpos inúteis e de todas as provas que caiam contra ele. Ele deveria sumir por uns dias até que a poeira se abaixasse. Mas aquele lugar não poderia mais existir.


Ao procurar, acabou encontrando um pouco de querosene em uma lata enferrujada, e derramou por todo o quarto. Tomou os devidos cuidados de trocar os sapatos por um par que estava pendente em uma prateleira na lateral e usar outro par de luvas diferente daquele seu legítimo francês. Quanto aos corpos, esquartejou-os e acomodou-os em um baú, acionando um amigo para que o ajudasse, com uma desculpa de que seriam alguns cortes de porco, na tentativa de esconder o podre cheiro de sangue que se abatia.


Poucos minutos depois de deixar o baú detrás de um monte de lixo que encontrou na rua, ele voltou à cena do crime e finalizou aquilo que havia planejado. Ele executou com toda frieza um diabólico plano incendiário, típico de um piromaníaco, e com uma brasa que se desprendera de seu charuto, ateou fogo na hospedaria camponesa. Como o dono não estava ninguém seria machucado, e as provas de seu crime seriam queimadas junto com aquela madeira velha do lugar. Johann planejou doar misteriosamente um dinheiro para que aquele pobre camponês reconstruísse sua fonte de renda, mas isso não vinha ao caso agora.


Após acabar com aquelas provas, Johann voltou próximo ao baú para buscá-lo. Retirou algumas baratas e um rato que saiam por um buraco no fundo e arrastou o baú até a borda de uma ponte próxima. Ela era enorme!O rio Tâmisa, naquele local, chegava a 6 metros de profundidade, e ali seria o local perfeito para seus irmãos repousarem em paz.


Com um último empurrão, o jovem selava ali seus crimes impensados, detonando a ultima prova que o incriminaria. Porém, ainda restava Dominique, e ela sabia de seus crimes macabros, podendo condená-lo. Resolveu buscá-la, mas antes passou em uma loja clandestina de produtos químicos e comprou uma seringa com um líquido cor de âmbar e um lenço embebido com clorofórmio. Agora ele estava pronto para liquidar com a prostituta.


Ele a procurou por toda a cidade, mas foi em um prostíbulo conhecido das sarjetas de Londres que ele a encontrou, esperando por algum cliente ali no beco em que se situava o local. Aproveitando uma sombra para se esconder, Johann atacou Dominique e colocou próximo de seu nariz o lenço embebido com clorofórmio. Ele não pretendia liquidá-la ali, pois ainda seria em local muito visível, além de fazê-la sofrer um pouco para pagar por toda aquela avareza e hipocrisia que ela usara.


Em seu carro de passeio, o homem acomodou-a no porta-malas, preocupando em guardar bem a seringa e o lenço, caso precisasse. Por algumas horas rodou com ela adormecida em busca do lugar ideal para finalizar o que pretendia. Enfim, parou próximo a um local aparentemente deserto, quase um bosque, onde havia uma abertura na cerca que o rodeava. Pegou a seringa e segurou-a bem firme nas mãos, pois ela poderia revidar a qualquer momento.


O jovem arrastou-a por mais alguns metros e ouviu um barulho estranho, vindo do outro lado de um enorme arbusto à sua direita, por isso, resolveu apressar as coisas: Ele colocou Dominique encostada em uma árvore, ainda desacordada e voltou em seu carro para buscar uma corda que trouxera. Ele pretendia extrair algumas súplicas da mulher e depois injetar nela com a seringa um veneno letal de cascavel.


Entretanto, ao chegar onde deixara a prostituta encostada, não a encontrou lá. Havia apenas um rastro macabro de sangue que seguia até o arbusto. Resolveu investigar. Transpassando-o, viu que ali havia uma poça enorme de sangue e um pedaço de dedo que reconheceu ser de Dominique pelas unhas impecavelmente pintadas de vermelho. Ele ficou horrorizado.


Daquela poça, surgia um segundo rastro de sangue, porém maior e com duas linhas paralelas, como se ela tivesse sido arrastada. Mesmo atordoado com o cheiro pútrido que aquela sangria exalava, ele estava determinado a achar Dominique, e prosseguiu.


Ao afastar um imenso galho que obstruía seu caminho, ele teve uma enorme surpresa: A mulher achava-se caída no chão, com seu corpo todo cortado e cheio de sangue. Em sua pele, inúmeras mordidas, que a deixavam desfiguradas. Com as patas em seu peito e devorando um pedaço de seu tronco, havia um gigantesco tigre siberiano, com a boca vermelha do sangue de Dominique.


Johann percebeu na hora que havia entrado por um buraco no zoológico municipal e justamente na jaula dos tigres. Tentou se afastar daquela macabra cena e esgueirou-se para uma das laterais da pedra. Porém, ele deu uma terrível falta de sorte e pisou em um graveto que caíra daquele galho que ele afastara e acabou por emitir um minúsculo som, mas que foi suficiente para alertar o tigre, que saiu de cima da falecida Dominique e com um simples salto agarrou outra vítima, que tentou lutar até o final, porém a força do animal era tremendamente superior. Era o fim para Johann e sua loucura em matar Dominique.


No outro dia os tratadores dos tigres, em uma ronda matutina, encontraram duas ossadas próximas aos tigres, e analisando melhor, viram que se tratavam de um homem e uma mulher, que fora identificada pelos longos cabelos pretos. Trataram logo de chamar a polícia, que após uma investigação minuciosa descobriu que o homem era Johann Masen, um jovem burguês; e a mulher, Dominique Paladine, uma prostituta estrangeira. Mais alguns dias investigando e os policiais descobriram que Johann provocara um incêndio criminoso em uma hospedaria no condado de Clinn. Porém, nunca foi achado o baú que Johann jogara no rio Tâmisa, o que até hoje permanece um mistério.









*Baseado na obra "Noite na Taverna" de Álvares de Azevedo










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