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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O assassino da catedral - Parte 1



O homem experiente semicerrou os olhos e coçou o queixo, ordenando com certa rispidez à equipe pequena, com uma xícara gigante de café na mão. Subiu os cinco degraus e tocou na porta de madeira, cheia de fibras, lotada de histórias, e lembrou-se de um passado perdido que a igreja vivera durante o período da guerra, onde judeus se esconderam ali dos nazistas que invadiram a Polônia. Abriu com dificuldade as portas da catedral e contemplou a escuridão em seu interior. Também as janelas, deixando entrar ar e luz solar por entre os bancos, logo visualizando a cena do crime.






Matthew, um policial em sua jurisdição, abordou-o, colocando a mão direita em seu ombro esquerdo. Apontou com o olhar para o altar e fez uma expressão de desaprovação.


-Detetive, não encontramos a arma usada no crime.


Isaac Elsner bebericou do café na xícara e estendeu a visão até alcançar o corpo aos pés do crucifixo. 


-Isole a área, Matt. Ninguém entra ou sai de todo o espaço da igreja, incluindo o salão paroquial e os dormitórios dos religiosos. – O detetive policial tentava de todas as maneiras reconstruir o que poderia ter ocorrido. Seu trabalho era solucionar um caso aparentemente sem solução. Respirou fundo de olhos fechados completamente.


Caminhou lentamente até perto do corpo. Postou-se de joelhos e examinou a poça de sangue à frente do altar, observando que a garota não fora violentada em uma inspeção visual. Todavia, um pequeno hematoma próximo à clavícula indicava que aquela área fora pressionada com força, a ponto de romper os pequenos vasos sanguíneos da região. Chamou Matt novamente e mandou que ele contatasse o legista para buscarem o cadáver. 


Antes disso, contudo, tirou uma série de fotografias do peso morto, dos respingos de sangue no altar e em algumas papoulas que serviam de decoração, reparando que haviam marcas lineares nas laterais da mesa marmórea, indicando que a vítima passou os dedos ensanguentados por ali enquanto caía morta. 


Este cenário herético atraía os frades e outros congregados para o centro da cena do crime. Uma fita zebrada os conteve a alguns metros, cerca de dez, e o grupo de religiosos ficou parado atrás dos bancos centrais da catedral. O mais alto e esguio deles, o cônego Hanz, conhecido do detetive Isaac de longa data, desvencilhou-se dos outros e levantou a fita para trocar umas palavras com Isaac, que estava entretido com a cena do crime. Um frei capuchinho, baixo e atarracado, estava aos prantos, com o rosto empapuçado em lágrimas e os olhos vermelhos por causa do choro.


-Ela era minha irmã! – Exclamava desesperadamente, enquanto Hanz se virava novamente para consolá-lo. Lembrou-o do mínimo de decoro que um membro da igreja deve ter, e o mesmo se conteve, engolindo as lágrimas; que desceram pesadas, praticamente entupindo sua garganta.


O detetive Elsner se afastara do altar e correra em auxílio de Hanz quando o frade desabou ao chão, desacordado. Percebeu então uma porta entreaberta que se escondia atrás de uma coluna de mármore, e viu que a porta entalhada era de madeira maciça, de onde saíam bustos de anjinhos tocando cornetas celestiais. Resolveu entrar e deparou-se logo com a cena lastimável do confronto que ocorrera ali, horas atrás.


Inúmeros objetos estavam derrubados no chão. Hóstias se misturavam a sangue e a muito vinho de uma garrafa barata espatifada no chão. Recolheu amostras de todas as evidências aparentes, e desligou a luz normal e incandescente que esquentava o lugar. Plugou na tomada uma lâmpada especial para detectar fluidos, como vômito, lágrimas, mais sangue ou até mesmo sêmen. O tom roxo invadiu o cômodo e revelou um pontilhado sanguinolento que corria pelo chão e saía pela porta. 


-O que aconteceu aqui, afinal? – Indagou alto. Chamou sua equipe forense e pediu para que numerassem a área para que a cena do crime pudesse ser reconstruída. Abriu o esfuminho de grafite e recolheu quatro impressões digitais. Ajoelhou-se no chão e posteriormente agachou-se próximo à cantoneira de madeira, de onde recolheu um fio negro, ainda com a base capilar. Acabou não enviando estas provas para uma perícia externa, ficando com elas para averiguação pessoal.


Já era cerca de duas da manhã quando o detetive resolveu dispensar sua equipe exausta e foi correndo para casa, de onde continuou a trabalhar no caso, virando a noite com muito café e em meio às provas que recolhera mais cedo. Queria tentar reunir as provas em alguma explicação racional para aquele crime bárbaro, e não saíam de sua mente os livros policiais de Sherlock Holmes, o famoso e intrigante detetive que o inspirava.


Analisou as fotos dos respingos no altar. Indicavam possivelmente a origem dos disparos, se foram à queima roupa ou de uma distância maior do que um metro. A questão primordial era elucidar se fora assassinato ou suicídio. Teria uma bela jovem como ela motivos para dar fim à própria vida? Ficou inerte por cerca de trinta minutos antes de se dar conta de que o sol nascia no horizonte. Olhou para o relógio analógico que guardava ao lado da mesa do escritório e viu que faltavam dois minutos para as seis da manhã, o horário da abertura do necrotério para visitas oficiais de peritos e outros. Ou seja, teria de se apressar muito para chegar lá junto com o legista.


Acabou chegando mais cedo do que o homem de idade com os cabelos grisalhos salpicados de neve, um pouco desarrumados e que o deixavam com uma aparência desleixada. O senhor usava um jaleco cinza, mais apropriado para as necropsias, e retirou de um dos bolsos uma chave prata e pequena, com aparência engraçada e peculiar devido às circunstâncias. 


-Uma caveira, Andrzej! Típico para sua profissão!


-Isaac! – O homem virou-se assustado, como se escondesse algo, mas logo revirou a expressão em surpresa, destacando as sobrancelhas e um sorriso largo. Estendeu a mão para o detetive, enquanto com a outra guardava a chave em outro compartimento. Percebeu que o homem esperava por sua resposta acerca das inscrições na prata. – Ah! As chaves... – Escolheu as palavras com cautela. – Gostou?


-Típico e excêntrico ao mesmo tempo. Só você mesmo.


-O que fazes aqui? - Andrzej questionou enquanto cofiava o cavanhaque branco. Esperou ansiosamente uma resposta do detetive Isaac, enquanto entrava em sua sala administrativa. 


Isaac entrou junto com ele, fechando a porta às suas costas. 


-Então, eu queria mais informações sobre o caso em que estou trabalhando. – Viu que o senhor revirava alguns papéis e digitava rapidamente no computador.


-Entendo. – Disse, sem afastar o olhar da tela iluminada. A sala ainda sofria com a luz incandescente e com a falta de luz solar. – Você lembra daquele último caso que olhamos, o da senhora encontrada morta em casa?


O detetive disse um sim com certo desdém. 


-Ela tinha uma doença cardíaca rara, ainda pouco estudada. – Levantou o olhar, com os olhos escondidos sobre as armações dos óculos. – Coitada, morreu sem saber o motivo. Ao menos não sofreu. 


-Correto, porém vamos ao que interessa. Eu quero resultados acerca da morte desta jovem ontem na catedral. – Levantou-se e olhou no relógio. Dez minutos haviam se passado. – Podemos? – Estendeu as mãos para o legista, incitando-o a sair da sala. Ele se sentiu obrigado a levantar-se em resposta.


-Se é o que você quer...


Ambos se apressaram para o necrotério, que estava vazio de corpos, exceto por três deles que ficavam engavetados e um quarto em cima do catre para necropsia, já sem roupas e pronto para ser examinado. 


Os procedimentos iniciais de autópsia foram sendo realizados com agilidade pelo médico, que abriu o tórax da garota, revelando os órgãos vitais intactos. O coração sofrido estava ainda vermelho, murcho e morto, debruçado sobre os pulmões, como se pedisse aposentadoria. Algumas costelas estavam trincadas por causa da queda, apesar de o esterno e os outros ossos torácicos estarem intactos. 


O rosto angelical encontrava-se estático e morbidamente deformado em uma expressão atordoante, com as sobrancelhas arqueadas em sinal de espanto. 


Andrzej tinha dificuldades em prosseguir sozinho, e quis dispensar a ajuda de um instrumento específico. 


-Não quer me ajudar? – Virou o rosto para Isaac, que não teve como negar. – Há aventais naquele armário. – Apontou para um móvel em aço inoxidável, assim como o resto do mobiliário do necrotério climatizado. – E luvas naquele outro. Se precisar de uma máscara, pegue-a na terceira gaveta daquela cômoda baixa, ao canto da sala. – E voltou seu olhar para o fígado marrom-avermelhado. 


Isaac correu no armário e pegou os aparatos, vestiu-os com cuidado e logo voltou de encontro ao cadáver. 


-Veja bem... – O legista mostrou-lhe uma perfuração próxima ao fígado e rente ao baço, que passou pelos órgãos diretamente e causou uma hemorragia. – A bala ficou alojada entre as vértebras lombares. – Analisou também a pele abdominal. – As queimaduras na pele neste ponto – Mostrou-lhe o pedaço dérmico. – Indicam que, provavelmente, o tiro foi dado bem próximo à vítima, senão com o cano da arma encostado diretamente em sua pele. – O detetive consentia boquiaberto. – Mas não foi isso que a matou. 


-Não?! – Isaac recompôs a postura. – Explique-me mais. – Quase levou os dedos ao maxilar, como sempre fazia quando estava curioso, mas parou o movimento quando viu uma lasca de pele grudada na luva negra. Sentia uma parcela de nojo, contudo, teve de estuchar a mão novamente entre os órgãos da mulher, desta vez em uma região ainda mais problemática. 


-Segure aqui para mim, por favor. – Andrzej indicou-lhe o queixo simplório da garota. – Com força.


O detetive não teve escolhas e postou ambas as mãos no maxilar da garota ao passo que o médico escalpelava o cadáver com dignidade, fazendo força para separar o corpo cabeludo das membranas do crânio. 


-Apesar de ter sido um acidente terrível, ela não morreu com este tiro. O que a matou foi uma hemorragia epidural, na dura-máter craniana. – Isaac levantou uma das sobrancelhas. – Devido a uma forte batida que resultou em uma bolsa de sangue pressionando o cérebro. A morte foi quase imediata. – Concluiu e viu o homem fazer uma careta, como se sentisse na pele a dor da vítima. 


Isaac contemplou o cadáver, lembrando-se em lapsos de vezes em que se encontrara com a mulher viva, uma figura conhecida na cidade. Abriu a maleta criminalística, colocando um pó azul em uma colher pequena, de formato ovalado, e introduziu-a nos orifícios da mulher, nas fossas nasais, aparelho auditivo, cavidade vaginal e desembocadura anal. Assim que percebeu o olhar espantado do legista, tentou se justificar.


-Teste de estupro. – Ele corou ao olhar para o médico. Riu timidamente, envergonhado. 


-Eu sei. Somente não sabia que você entendia destas coisas. 


O detetive armou uma resposta.





-Já fiz isso em vivos. Em mortos não deve ser diferente. – Voltou os olhos para o procedimento que fazia. – O problema é que os mortos não podem falar. 






***


CONTINUA...







Leia a continuação deste mistério, a parte 2 de O assassino da catedral. Quem será o assassino?




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